Se levo este sorriso...

por Luaira Paraizo

…é porque já chorei demais!

É com este trecho da música “Tocando em Frente”, do Almir Sater, que posso começar a contar minha história!

Como é uma história longa e a vida de todo mundo está muito corrida, preparei duas versões — esta aqui é a versão completa. Se você preferir ler um resumo e esperar sair o filme desta versão, clique aqui para ver a versão “redux”.

Se você está aqui porque se interessou pela minha história e quer conhecê-la por completo, agradeço por isso! Segura firme…!

...

Sou de Volta Redonda, uma cidade do interior do Rio de Janeiro que fica a aproximadamente 140 km da capital.

Tive uma infância muito difícil, com muitas dificuldades financeiras, chegando a não ter o que comer algumas vezes. Minha família passou por cortes de luz, de água e, quando chovia, era bacia para tudo quanto é lado para aparar as goteiras…! Como se não bastasse, eu tinha inúmeros problemas de saúde. Vivia com dores inexplicáveis, febres e bolhas de pus por todo o corpo. Meu apelido era “Maria das Dores”…

Comecei a trabalhar com 8 anos de idade, fazendo doces para meu pai vender, mas confesso que, no início, a minha motivação era ficar com a “rapa de doce” que ficava na panela! 🙂

Um ano depois, minha mãe ficou grávida de gêmeos, uma menina e um menino. Foi um período muito complicado; minha irmã nasceu com lábio leporino, demandando cuidados especiais, e minha mãe teve depressão pós-parto. Só quem já passou ou conhece alguém que tenha passado por isso sabe como é difícil.

Apesar de estar muito bem com minha mãe hoje em dia, nesta época ela se anulou totalmente, praticamente deixou de existir e eu tive que fazer o papel de mãe dos meus irmãos.

As despesas aumentaram, as contas não paravam de chegar… Foi quando meus pais decidiram abrir uma bancada na calçada de casa para vender açaí. Fomos crescendo aos pouquinhos e, em alguns meses, investimos na expansão: montamos uma barraca para acomodar os clientes! Ajudar meus pais na barraca foi meu primeiro contato com público

Assim fomos indo ao longo dos anos; além de estudar e ajudar meus pais com as obrigações da casa, da barraca e dos meus irmãos, ainda fazia alguns extras como manicure. Como os negócios eram tocados informalmente e tinham altos e baixos, comecei a procurar emprego, para ter algo mais concreto para ajudar a família.

A fábrica de caixas

Nessa minha busca, acabei conseguindo um trabalho numa fábrica de caixas. Como estava muito “verde” e num momento de carência, aceitei as piores condições: regime informal e “salário” de R$ 400 sem direito a nada.

Lá eu vivenciei e entendi, pela primeira vez, o que é “assédio moral”.

Me vi num ambiente de trabalho perigoso, com grandes maquinários cortantes sendo operados sem proteção; inconsequente, com operadores sendo jogados em suas posições sem treinamento; sem um mínimo de humanidade: a rotina era conduzia sob gritos do dono / capataz: 

—“Imprestável!”

—“Seus inúteis!”

—“Tenho nojo de vocês, seus pobres!”

Aguentei pouco tempo lá. Não suportava mais os maus tratos não só comigo, mas principalmente com os meninos da equipe. Eles faziam um trabalho mais pesado e braçal e eram tratados de uma forma que só faltava o chicote. Era num nível que, só pra ver, era preciso muito estômago.

Meu primeiro emprego com registro

Aos 18 anos, fui notada por um cliente, que me ofereceu uma oportunidade de trabalho como vendedora numa loja de ternos.

Ainda que fosse temporário, agarrei a oportunidade com tudo. Este emprego foi meu primeiro contato com Vendas. Aprendi muito, me dediquei e me destaquei, conquistando uma carteira de clientes fiéis num segmento em que isso não é comum.

Pouco tempo depois, fui efetivada. Finalmente havia conquistado o meu primeiro emprego com registro em CTPS!

Sem perder tempo, fui procurar algum curso que pudesse pagar com o salário que recebia. A ideia era me qualificar para conseguir um trabalho com maior remuneração, e, assim que possível, conseguir pagar minha faculdade.

Faculdade. Por que escolhi o RH?

Gostaria de dizer que escolhi este curso porque era a minha vocação e paixão, mas, com tantos problemas, autoconhecimento era um luxo que eu não tinha.

O motivo da escolha foi bem mais simples: era um dos únicos cursos que eu conseguia pagar.

Foi por pura sorte que, mais tarde, esta escolha acabou se revelando bem acertada e alinhada às minhas vocações. Fui pro RH por acaso, mas permaneci por amor.

Mas muita água ainda iria rolar até eu me encontrar!

Minha nova rotina

Acordava às 7h para chegar ao trabalho 8:30h e sair às 18:30 (em dias normais), para estar às 19h na faculdade. Chegava em casa por volta das 23h e, mesmo exausta, dedicava um tempo à minha mãe, que ainda estava com depressão profunda. Ela precisava de cuidados básicos.

Em seguida eu estudava, tomava um banho e depois ia dormir, para recomeçar tudo no dia seguinte.

Na faculdade

Assim como muita gente, precisei conciliar a faculdade com um emprego, afinal, sem isso seria impossível pagar o curso.

Foi um período de muito aprendizado e grandes desafios, com muitas restrições e dificuldades financeiras, pois o que eu recebia de salário mal dava para me manter e pagar o curso. Meus pais não tinham condições financeiras para me ajudar com as despesas.

Sempre tive muitas dificuldades com estudos e me achava burra por isso. Isso se agravou na faculdade; cheguei num ponto em que eu achava que não ia conseguir dar conta. Foi nessa fase que, com a ajuda de uma professora, descobri que tenho TDAH e dislexia. Por isso que entender e memorizar conteúdos escritos é tão difícil pra mim!

Conseguir estágio foi uma luta à parte. Precisei dar um salto de fé, pois tive que pedir demissão do emprego que sustentava tudo para ter tempo para cumprir o estágio obrigatório. Mas, como nem tudo são flores, para eu conseguir a “vaga de estágio”,  precisei aceitar condições abusivas, por exemplo, jornada integral, assim como um efetivo, porém com baixa remuneração e ainda tive que ouvir:

—“Você só presta pra mim se for assim.”

Sem opção, aceitei a proposta e  fiz o melhor que pude enquanto estive na empresa.

Assim que cumpri as minhas horas de estágio, meu contrato foi encerrado. Faltando apenas 2 meses para encerrar o curso, desempregada e sem dinheiro para pagar a última mensalidade da faculdade, por pouco não precisei trancar a faculdade no último mês.

Diante de toda dificuldade, eu sabia que não poderia participar da festa de formatura, mas meus pais me fizeram uma surpresa. Durante todo o período da faculdade, mesmo com toda a dificuldade, eles juntaram moedinhas de R$1 para garantir a minha festa de formatura!

Desencanto de recém-formada

Como todo recém-formado, imaginei que o diploma seria não uma garantia, mas uma porta de entrada para um trabalho na área ou a ponte para abertura de uma consultoria com alguns colegas de classe.

Infelizmente, a realidade profissional foi bem diferente do que eu imaginava.

Descobri que tinha mergulhado num mercado quadrado e que exige “experiência comprovada em carteira” até para começar.

Era um dilema: como é que eu iria ter experiência, se, para ter experiência, precisa ter experiência?

Minha ascenção

Após algumas entrevistas sem sucesso, finalmente consegui uma vaga como auxiliar administrativa numa associação.

Apesar do cargo não ter sido relacionado à área que me formei, fiquei alguns anos nesta empresa, crescendo e aprendendo muito. 

Fiz minhas melhores amigas, conheci grandes empresários e pude participar da execução de seus projetos. Produzi eventos grandes do começo ao fim.

Nesta fase tive meu primeiro casamento e a oportunidade de concluir meu MBA.

Minha queda

Pedi demissão desta empresa maravilhosa para investir num sonho: montar meu próprio negócio, uma academia de artes marciais, com meu então marido.

Acreditando num futuro melhor, investi tudo que recebi da minha rescisão, me privei de muitas coisas, me dediquei integralmente, mas pouco mais de um ano depois eu “caí do cavalo”.

Quando as coisas estavam começando a caminhar, descobri que meu sócio e marido estava me traindo com uma cliente. Na verdade, quase todo mundo na academia já sabia; eu fui uma das últimas a saber!

Foi uma confusão… Me divorciei, a academia precisou ser fechada e perdi tudo que tinha na briga conjugal. De tudo sobrou apenas alguns móveis, que precisaram ser vendidos para arcar com as despesas do divórcio e da liquidação da empresa. Tive um prejuízo incalculável e estava totalmente falida, tanto na pessoa jurídica quanto na pessoa física.

Foi um período muito difícil, mas pude contar com o apoio de clientes e amigos especiais, que me deram todo apoio e estiveram ao meu lado. Tenho contato com eles até hoje!

Vou contar um detalhe que não contava pra ninguém: algumas amigas se juntaram e me deram roupas e calçados que não usavam. Por um bom tempo, eu só tinha para vestir essas roupas doadas e outras compradas em bazares populares.

O recomeço

Fui contratada como Coordenadora Administrativa de uma escola técnica. Deveria ser chamada de “Coordenadora do Caos”: fiquei impressionada com como aquela empresa conseguia estar operacional com aquela quantidade enorme de erros, pendências e pontas soltas em todas as áreas, principalmente de Departamento Pessoal. Pessoas em regime informal e salários atrasados para professores eram praxe.

Tive que pedir demissão quando me dei conta que minha vida estava em risco: a empresa passou a ser invadida e depredada por credores furiosos. Que situação…

Mudança para o Rio de Janeiro

Decidida a conquistar meu espaço e recomeçar, me mudei para o Rio de Janeiro “com uma mão na frente e outra atrás”, como se diz.

Contei com o apoio de uma tia que, mesmo não tendo uma boa condição financeira, abriu as portas da casa dela com muito carinho. Fiquei morando lá por um tempo.

O fundo do poço

No Rio, fiz da minha busca por emprego o meu trabalho integral.

Acordava todos os dias às 7h e ficava até às 18h buscando vagas e enviando currículos pela internet. Perdi a conta de quantos currículos enviei!

Estava difícil, mesmo com MBA. Depois de alguns meses de busca, aceitei um trabalho temporário como auxiliar. Logo após o fim deste contrato, recebi uma proposta para um trabalho num consultório odontológico.

Que furada! Tinha hora para chegar mas não tinha hora para sair e várias vezes precisei dormir no consultório porque não tinha mais condução para casa no horário que meu trabalho era considerado encerrado.

Além disso, tive salários atrasados e enfrentei assédio moral, ouvindo pérolas do tipo:

—“Pra mim, sua faculdade não serve pra nada!”

Cheguei no fundo do poço quando estava numa lanchonete de noite, com um colchonete enrolado debaixo do braço, comendo uma “janta” de 5 reais e me preparando para ir dormir no consultório e um mendigo me abordou:

—“Me arranja esse colchonete aí, tia!”

Fui embora para o consultório e desatei a chorar incontrolavelmente, porque caíram várias fichas ao mesmo tempo:

  1. Aquele colchonete era a única coisa que eu tinha…
  1. Se a situação desandasse para um assalto, eu me veria na ridícula cena de ter que brigar por aquele colchonete;
  1. Sei que pode parecer estranho, mas aquela fala do mendigo me aproximou do mundo das ruas, que era para onde minha vida parecia estar indo até então. Pessoas em situação de rua têm uma extraordinária capacidade de leitura a frio e, num relance, ele entendeu que eu estava no mesmo patamar que ele e testou minha capacidade de disputa. Sabemos que, nas ruas, se disputa tudo, até pedaços de papelão;
  1. Enfim, eu estava no mesmo nível que aquele mendigo, nossa diferença era apenas um banho tomado.

Minha vida secreta

Nessa época, comecei a namorar com o Lucas. Ele tinha uma condição financeira boa e estável, mas eu fazia de tudo para não deixar que ele soubesse dos meus problemas, para não entupi-lo com negatividade nem que achasse que eu era interesseira. Até porque ele tinha histórico de ter sido explorado num relacionamento anterior. Não queria ser mais uma!

Depois de alguns meses, passamos a morar juntos e dividir o aluguel.

Um outro mundo

Enquanto eu me desdobrava para conseguir contribuir com alguma coisa nas despesas da casa, ficava observando como o Lucas trabalhava: só naquele computadorzão dele (depois, eu viria a ter um igual!), orientando seus clientes. “Consultoria”, ele dizia. Que diabos era aquilo?

Eu só via que os clientes pagavam caro só para poder conversar com ele. Que loucura!

Eu admirava e também me sentia muito inferiorizada, com um medo enorme dele descobrir que, em contraste, minha vida profissional estava um verdadeiro inferno.

WPTW

Pouco tempo depois da minha “epifania” com o mendigo, fui demitida. Não mais que de repente, estava sem emprego e com aluguel para pagar.

Fiquei um tempo no seguro desemprego, novamente buscando oportunidades freneticamente. Até que consegui uma vaga de analista de RH. Porém, uma vez dentro da empresa, enfrentei diversas situações típicas do que chamo de “WPTW” (“Worst Places To Work”):

  • Não tinha autonomia alguma para executar as ações que foram combinadas desde o início;
  • Fui perseguida por colegas com mais tempo de casa;
  • Tive minha autoridade desfeita diante de subordinados que falsificavam atestados médicos mas tinham as costas quentes.

Já estava infeliz e, para piorar, a fibromialgia estava atacando à toda. Na época eu não tinha laudo, pois o diagnóstico requer uma junta médica interdisciplinar e, naquele momento, isso era financeiramente impossível. Tive uma crise aguda durante o expediente e ouvi o gestor dizer:

—Você não me falou que tem fibromialgia na hora da entrevista. Se eu soubesse que você tem “isso”, não teria te contratado.

Respirei fundo e disse a ele que, se eu falasse que tenho fibromialgia, a empresa pediria um laudo, e esse laudo eu não tinha. Saí da sala tentando engolir o fato dele ter simplesmente desprezado tudo o que eu poderia agregar à empresa por causa da minha condição física.

Acredito que não tenha sido coincidência eu ter sido demitida pouco tempo depois.

A virada de chave

Depois dessa última demissão, abri um negócio próprio não por vocação, mas porque estava traumatizada de empregos. Ouvir meu chefe dizer que nem deveria ter me contratado se soubesse que tenho “isso” me machucou demais. Assim, abri a portinha da “LP Consultoria” (sim, criatividade zero 🤣) e comecei a prospectar pequenos negócios de bairro.

Depois de um tempo, o Lucas, que é especialista em Design e Marketing, começou a me ajudar. Ele tinha muito receio de se envolver com negócios de namoradas, pois também teve experiências negativas com isso. Porém, de “ajudinha” em “ajudinha”, acabamos virando sócios!

Cada um teve sua história, ambos com experiências ruins envolvendo amor e negócios, mas demos um salto de fé no escuro e sem paraquedas. E, contrariando nossas expectativas, descobrimos que damos muito certo juntos! E as coisas começaram a finalmente melhorar.

Descobrimos que nosso trabalho em dupla deu muita química: com ele gerando demanda com Marketing Digital e eu atendendo diretamente os leads. Produzimos vários cases de sucesso para clientes. Um deles chegou a ter ROI de 500:1 numa campanha conosco!

Com isso, desenvolvemos uma metodologia própria, assessorando os clientes não apenas no seu Marketing, mas também em suas Vendas, que era o ponto fraco de todos eles. Resolvemos um problema antigo: ainda hoje é comum, nas empresas, vermos toneladas de leads sendo gerados e perdidos devido à falta de um atendimento rápido, humanizado e treinado. Suprimos esta necessidade nadando de braçada!

Agora que eu estava envolvida nos negócios, Lucas percebeu que precisava me desenvolver. Ainda que as coisas estivessem indo bem, eu precisava crescer para acompanhar o ritmo; precisava ser uma executiva, mas, devido ao meu histórico, minha mente só conseguia girar em torno de metas e problemas muito pequenos.

Numa dinâmica de design thinking, ele me fez perguntas aparentemente simples mas que me deixaram encurralada:

—Qual é o seu sonho?

—Como você quer estar daqui a 5 anos?

Se você perguntar essas coisas para uma criança, ela facilmente responderá, mas quando você pergunta para um adulto que sobrevive ao invés de viver, provavelmente ele ficará sem resposta, pois só consegue processar um dia (ou boleto) após o outro. Qualquer coisa mais distante que um mês não passa em seus pensamentos.

Foi neste momento que me dei conta que eu não tinha sonhos. Não tinha plano de carreira. Nenhuma perspectiva para o futuro. Não pude conter as lágrimas por isso.

Acho que foi só nesse dia que o Lucas começou a desconfiar que eu tinha muitos problemas, que até então me esforçava para esconder. Tinha muito medo que ele achasse que eu estava entrando na vida dele para piorá-la.

E foi nesse dia também que eu, envergonhada por não ter ambição alguma, prometi a mim mesma que seria melhor e maior que aquilo. A partir daquele dia, resgatei minha capacidade de sonhar.

Modelando o meu negócio

Nas semanas seguintes, nos dedicamos a uma série de trabalhos estratégicos para “modelar o negócio”. Tive um intenso primeiro contato com termos como “ROI”, “LTV”, “proposta de valor”, “segmentos de clientes”, “payback”, termos estes que passaram a fazer parte das minhas conversas cotidianas com clientes pouco depois.

Minha autodescoberta e florescimento

Nas etapas finais da modelagem do negócio, fizemos meus mapeamentos comportamentais por várias metodologias. Achei incrível porque sistemas de avaliação muito diferentes estavam convergindo num resultado harmônico que era… eu!

Neste momento nós entendemos por que demos tão certo trabalhando juntos. Veja como ficou um dos meus gráficos de mapeamento comportamental:

Dodecaedro de competências-luaira

E o do Lucas:

Dodecaedro de competências-lucas

Os nossos dois sobrepostos:

Dodecaedro de competências-lucas+luaira

Isso se confirmou em todas as metodologias que recorremos: foi por pura sorte, mas temos competências complementares. Eu sou forte onde ele é fraco e vice-versa. Maravilhoso!

Como, até então, eu vinha construindo minha carreira “aos trancos e barrancos”, nunca tinha me analisado de forma estratégica. Nunca tinha me passado pela cabeça que, ao invés de ser uma profissional ruim, eu poderia estar me colocando em posições erradas, que não se beneficiavam dos meus pontos fortes.

Aliás, fiquei muito feliz ao descobrir que tenho pontos fortes!

Além disso, desenvolvemos estratégias de estudo adequadas para minha condição de disléxica. Neste ponto, descobri que me dou muito bem com audiobooks!

Devido à forma confusa que minha mente com TDAH trabalha, descobri um “superpoder” inusitado: consigo ouvir audiobooks ao mesmo tempo que realizo trabalhos complexos, com alto índice de aproveitamento! Até o Lucas ficou impressionado, porque, apesar de ler muito, não consegue fazer isso ao mesmo tempo que outras coisas. A mente dele é mais metódica e organizada, produz coisas muito bem-feitas, mas apenas uma por vez. Já eu, “ligada no 220”, sou multi-tarefas por natureza. Neste momento, literalmente minhas fraquezas se tornaram minhas forças. Resgatei anos e anos de leituras atrasadas.

Meu primeiro contrato de RH

O telefone toca. É um antigo contato, muito querido, que eu cultivava dos tempos de faculdade. Ele queria contratar alguém para um “job” rápido e lembrou de mim por ser muito esforçada. Até então estava trabalhando em parceria com a empresa do Lucas para clientes dele, e este seria meu primeiro projeto de RH!

Precisei abrir um CNPJ às pressas, para conseguir faturar meu primeiro job:

R$200

Este foi o valor da minha primeira “NF”. E mergulhei de cabeça neste job! Acho importante revelar isto aqui porque, hoje, lido com muitos candidatos que, mesmo desempregados, desprezam oportunidades desta ordem de grandeza.

Eu sou um exemplo vivo de que devemos fazer bem-feito e com dedicação integral todos os trabalhos que nos propomos a fazer, não importa qual seja a remuneração, pois eles podem ser um degrau para outros trabalhos melhores e maiores. Não gosto de falar de valores altos, mas, ao longo dos anos de relacionamento com este mesmo cliente, fui conquistando sua confiança e já faturei, só com ele, o que seria suficiente para comprar um apartamento.

E aqueles que desprezariam esta oportunidade ou que a atenderiam de forma “meia-boca”, perderiam, também, este maravilhoso LTV (“lifetime value” – termo técnico para designar todo o dinheiro que faturamos com um determinado cliente ao longo do tempo de relacionamento).

O que você acha? Será que você já perdeu oportunidades porque achou que elas não estavam no seu nível? Ou porque atendeu de forma medíocre alguém que “não estava pagando” pelo seu capricho?

O reconhecimento

Apliquei esta mesma filosofia de excelência para todos os clientes que bateram à minha porta. E, assim, fui crescendo organicamente.

Nesta fase, resgatei minha autoestima e finalmente consegui trabalhar de forma inteligente: ficando o maior tempo possível cumprindo atividades que são beneficiadas pelos meus pontos fortes!

Um cliente satisfeito disse que eu era uma “parceira estratégica” dele! Mantive a compostura na hora, mas saí da call radiante! Ele não fazia a menor ideia que passei a maior parte da minha vida me sentindo um lixo. Aquele elogio sincero e espontâneo me despertou uma centelha: queria ouvir aquilo mais vezes!

Como o personagem Neo, de Matrix, eu estava “começando a acreditar”.

O vôo do cisne

Até então não fazia esforços de marketing. Os clientes vinham a mim apenas por indicação, o que era suficiente para manter uma demanda crescente.

Neste momento ocorreu outro marco importante: minha consultoria passou a dar mais dinheiro que a do Lucas. Digo isso sem ego, até porque isso não seria possível sem as “ajudinhas” dele. Muitos homens se sentiriam ameaçados com isso, mas ele ficou orgulhoso!

Se adiantando ao que estaria por vir, ele começou a se dedicar mais à consultoria de RH e desenvolver o que viria a ser o nosso core: nossa proposta única de valor, as linhas de serviços organizadas em núcleos especializados, nosso site, o naming, um plano de marketing, redes sociais e peças de papelaria.

Cuidando da saúde

Com mais tempo e dinheiro para poder me cuidar, finalmente pude fazer diversos exames, que diagnosticaram, além da fibromialgia, bursites no quadril e nos ombros e duas hérnias de disco. E também foram confirmados o TDAH e a dislexia. Ufa! Parece que fiz um passeio pelo catálogo de doenças…

Porém, com dinheiro sempre há solução. Tive a oportunidade de:

  1. Adaptar todo o meu espaço de trabalho, com a melhor cadeira e computador possíveis;
  2. Ter a melhor cama que o dinheiro pode comprar, que faz maravilhas à minha coluna;
  3. Ter horários de trabalho flexíveis: se eu estiver com dor, faço uma pausa e fico um tempo na cama ou numa máquina de massagem;
  4. Fazer todos os exames necessários, um check-up geral;
  5. Fazer vários tratamentos médicos multidisciplinares, com acompanhamento periódico, que minimizam drasticamente o meu sofrimento.


Com todas estas medidas, que seriam impossíveis nas primeiras empresas que trabalhei, catapultei minha
qualidade de vida e a minha produtividade! Entendi, na prática, o que é o bem-estar no trabalho.

Sobrecarga de trabalho: construindo a minha equipe

Trabalhando a mil com toda essa estrutura, me dediquei mais e mais. Ainda estava trabalhando sozinha, mas um cliente sempre se referia a mim como “Luaira e sua equipe”. Eu não tinha falado em equipe em nenhum momento, mas ele espontaneamente achava que eu tinha por causa dos meus resultados!

Ainda que fosse financeiramente interessante ficar ganhando sozinha pelos projetos, aquilo não era sustentável. Eu passava noites em claro e estava manifestando sinais de esgotamento.

Então aproveitei a alavancagem financeira para começar a construir minha equipe de fato. Finalmente pude falar da minha equipe para aquele cliente que achava que eu já tinha uma!

Proposta de trabalho CLT com salário acima da média

O telefone toca. É um contato profissional, diretor de uma das empresas que atendemos. Ele estava fazendo recrutamento de executivos, analisou meu histórico e achou que eu poderia me adequar ao cargo.

A proposta salarial era de R$8 mil mais bônus e benefícios.

Pedi um tempo para pensar. Tive que recusar esta proposta! Colocando tudo na ponta do lápis, meu custo de oportunidade seria mais alto, caso aceitasse. Nessa hora, só conseguia me lembrar do dia que eu só tinha um colchonete que o mendigo cobiçou. Que salto!

Crescimento e mudança de categoria do CNPJ

A LP Consultoria era uma empresa MEI. Após 12 meses de operação, ela estourou o limite de faturamento desse tipo de empresa e precisou ser migrada para uma ME. Inclusive pagando uma multa pesada, por ter estourado o limite por uma margem muito grande.

Confesso que fiquei ressentida pela multa e tive muito medo, mas a mudança foi um marco para a profissionalização do negócio. A partir daquele momento, em sincronia com o que o Lucas vinha desenvolvendo, nascia a Trhends Recursos Humanos!

Sociedade infalível

Com o negócio tomando corpo, passamos a ter papos societários. Formalizei sociedade com o Lucas e a melhor assessora da minha equipe virou minha sócia! Ela “estourou o MEI” dela junto comigo e chegou junto com os investimentos necessários para abrir um escritório em São Paulo, realmente tinha comprado a ideia.

Já vínhamos fazendo um estudo de viabilidade para expandir no modelo franquia. Isso ainda não está plenamente formalizado e aberto ao mercado, mas já iniciamos este intento com nossa primeira franqueada já conquistada!

Melhorando os processos

Seguindo o curso natural de maturação empresarial, passamos a nos dedicar em documentar nossos processos e metodologias. Como fruto deste trabalho, surgiu a LUA (“LMS Universal Adaptável”), nossa plataforma de Educação 4.0. Aplicamos em nós mesmos o que depois ofertamos aos clientes.

A primeira oferta de compra da empresa

O telefone toca. É um parceiro de negócios, querendo marcar uma reunião online. Agendamos.

No dia e hora marcados, depois de falarmos algumas amenidades, ele foi direto: estava interessado em comprar minha empresa.

Pedi um tempo para pensar. Analisando a questão junto com o Lucas, entendemos que eu devia gentilmente recusar a oferta, por questões técnicas. Mas me dei conta que meu trabalho estava tendo valor! Equity! O suficiente para um profissional de mercado querer incorporar meus ativos! De novo, me lembrei do dia do colchonete…

O crescimento exponencial

Meu tempo estava inteiramente ocupado com recrutamentos, consultorias (quem diria!), treinamentos, gestão da empresa, orientação de colaboradores…

Mesmo com toda a dedicação do mundo, perdemos alguns milhões em oportunidades porque, até então, não fazíamos gestão de mão de obra terceirizada, que é uma entrega que alguns clientes estavam exigindo junto com o recrutamento.

Porém, para termos a estrutura necessária para conseguirmos ofertar e operar a terceirização, iríamos precisar de uma década de crescimento orgânico… Talvez nunca fosse possível, considerando que, daqui a uma década, o mundo vai ser bem diferente.

Por isso, Lucas entendeu que precisávamos de crescimento exponencial, e não orgânico. Começou a prospectar executivos de outras consultorias maiores para propor parcerias de negócios. A ideia era construir um grupo empresarial contendo empresas com atividades sinérgicas que poderiam atuar juntas em projetos interdisciplinares.

A ideia era brilhante e fazia muito sentido: afinal, para que construir tudo do zero se poderíamos incorporar estruturas já prontas de parceiros? Mas, na prática, foram várias portas fechadas… Muitas objeções do tipo “Se manca! Somos do mesmo segmento! Somos concorrentes! Como assim, ‘parceria’?” Já tinha comentado sobre o mercado de RH ser extremamente quadrado, né? Pois é.

Até que, enfim, ele conseguiu atrair executivos que estavam abertos a este modelo de crescimento. Tinham alinhamento de valores. Tivemos várias reuniões online com alto nível de linguagem de negócios e “juridiquês”.

Ao final de algumas semanas, assinamos um contrato que marcou uma nova fase: uma “joint venture” cuidadosamente desenhada para permitir a incorporação e intercâmbio de ativos e expertises das empresas parceiras. Este movimento nos capilarizou para todo o Brasil e abriu um leque de oportunidades: agora também podíamos operar gestão de mão de obra terceirizada!

Como o Lucas é poderoso. Numa única tacada, catapultou a empresa ao patamar de corporação.

Depois desta primeira, outras joint ventures foram assinadas, sempre incorporando ativos de empresas com excelência técnica e especializadas numa área de conhecimento que tinha sinergia com nossa proposta. Agregamos especialistas em Departamento Pessoal, Bem-estar, Jurídico, mediação de conflitos e tudo o mais que, hoje, faz parte das nossas ofertas de serviços.

Juntando tudo, conseguimos materializar nossa proposta única de ser uma plataforma de soluções complexas de RH, agregando várias soluções que, normalmente, são contratadas de forma separada e fragmentada. Entregamos tudo isso de forma integrada, garantindo um todo coeso para os clientes, gerando milhões em economias de escala.

Trhends: a primeira e única plataforma de soluções complexas de RH

E foi assim que chegamos até aqui. De uma “portinha” a uma organização que atua em mais de 120 localidades, com mais de 45 mil horas de serviços prestados mensalmente.

Lucas e eu temos experiências profissionais muito diferentes, mas concordamos num ponto: a convicção de que não faz sentido contratar soluções pontuais para problemas sistêmicos. Por isso, nascemos com a proposta única de sermos uma plataforma de soluções complexas. Soluções sistêmicas para problemas sistêmicos. Para nós, soa como a solução para os problemas do mundo.

Connecting The Dots

Steve Jobs tem uma palestra famosa em que fala sobre “ligar os pontos” da nossa experiência de vida. Num determinado momento, podemos passar nossa vida em revista e entender que “pontas soltas” do passado convergem numa solução coesa de forma inexplicável.

Na fábrica de caixas, pude entender a importância das leis trabalhistas no Brasil. Muitos acham que tem “penduricalhos” demais, o que pode até ser verdade do ponto de vista operacional de DP, mas infelizmente é uma necessidade para a nossa cultura. Eu precisei ver para crer que existem empresas como aquela, que tratam funcionários em regime de semi-escravidão. Se é assim com a nossa legislação, imagina sem!

Também presenciei como é ruim uma empresa sem segurança do trabalho e bem-estar. Hoje, estas são duas linhas de consultoria que prestamos.

Na loja de ternos, tive a chance de me desenvolver em Vendas, uma área que se revelaria fundamental para mim, anos mais tarde. Foi com esta habilidade que conquistei a confiança do Lucas para sermos sócios. Até hoje, Vendas é um dos pilares mais importantes da Trhends, pois, sem vendas, nenhuma empresa existe. Temos um treinamento de vendas excepcional para nossos colaboradores.

Na escola técnica, apesar de todos os problemas, tive a chance de me apaixonar pela Educação! Foi ali que despertei minha admiração pelos professores e vislumbrei que a Educação é o único meio para transformar a sociedade em algo melhor. Hoje, nosso núcleo de Educação Corporativa tem meus xodós: nossos treinamentos e nossa EdtechLUA”.

Minhas dificuldades e noites em claro para conseguir empregos me colocaram em contato com a realidade nua e crua do mercado do ponto de vista dos candidatos. Digo isso desta forma porque observo que alguns profissionais de RH conduzem processos seletivos como que do alto de uma torre de cristal. Esta minha visão tem sido o diferencial para conduzir processos mais empáticos e para apostar acertadamente em candidatos que, embora cometam alguns “pecados” técnicos, têm muita sede por uma oportunidade de demonstrar resultados, assim como eu, no passado. Desenvolvi um faro para detectar gente boa e com vontade de trabalhar.

No consultório da “epifania com o mendigo”, entendi por que tanta gente aceita trabalhar em condições absurdas: o desespero produzido por um sistema feito para destruir nossa autoestima, deixando-nos suscetíveis a aceitar misérias e ainda dar graças! Hoje eu sei que poderia ter adotado várias estratégias que aumentariam meu valor pessoal e que me qualificariam para oportunidades muito melhores, mas eu não tinha este conhecimento naquela época. Hoje, temos linhas de serviço especiais e acessíveis para pessoas que estão em busca de emprego. Recomendamos e realizamos as estratégias que eu mesma, como profissional de RH, não tinha nas piores fases da minha vida!

Na empresa “WPTW”, aprendi tudo o que não fazer enquanto RH numa organização complexa. Os momentos de raiva que passei pensando em todas as reduções de custos e ganhos de valor que a empresa deixou de ter comigo foram os incubadores da minha consultoria — tudo o que sei, hoje, sobre o valor do RH para as organizações. Hoje há clientes que pagam pelas soluções que não pude implementar lá por falta de autonomia!

Minhas dificuldades com leitura e estudo e posterior descoberta do “superpoder” de conseguir estudar e trabalhar ao mesmo tempo me atentaram para a importância prática do autoconhecimento. Hoje, autoconhecimento é um valor fundamental da Trhends. Fazemos mapeamentos comportamentais de todos os colaboradores, para reproduzirmos de forma intencional o que tivemos, inicialmente, por sorte: construir times de pessoas com competências complementares, alocando cada um nas suas áreas de pontos fortes. É o que chamamos de “gestão por pontos fortes”.

Meu “passeio pelo catálogo de doenças” e o preconceito e intolerância que suportei por isso me fazem vivenciar 24 horas por dia as questões da Diversidade e Inclusão, que também é uma das nossas linhas de consultoria. Tenho a D&I no meu DNA, eu respiro isso, não fico só sustentando discursos bonitinhos e vazios, que são a praxe do mercado. As dores persistentes me obrigam a ser proativa e criativa na forma de lidar com elas de uma maneira que um consultor de D&I “limpinho e saudável” nunca entenderia. 

Algumas tradições religiosas radicais utilizam a dor como ferramenta de purificação e disciplina. Embora eu não concorde com esse tipo de abordagem, eu já nasci com um gerador de dores em mim, querendo ou não. Portanto, sou constantemente “convidada” pela natureza a expurgar a dor desta forma. A dor também é um lembrete constante de que sou humana e mortal. É a guardiã do ego, para que ele nunca suba à cabeça.

Minha união com o Lucas foi uma benção que me deu muitas coisas, mas, principalmente, visão sistêmica. A capacidade de ter visão ampla e enxergar as implicações em escala dos problemas organizacionais. Segundo ele, isso é uma “habilidade de designer”. No começo, eu achava que designer ficava só fazendo folhetos e cartões de visita, mas só depois que consegui incorporar esse jeito de ver o mundo, o design thinking, é que comecei a deslanchar.

Em busca do meu sonho

Depois de apenas sobreviver por tanto tempo, sem sonho algum, hoje posso dizer que, dia a dia, construo mais peças do meu Sonho Grande.

Meu propósito é transformar a sociedade através de pessoas realizadas no trabalho. Quero formar uma comunidade de profissionais que acreditam em abundância e que é possível alinhar realização pessoal, felicidade e resultados de negócios. Quero ajudar quem quer mudar de vida como eu mudei. Esta é uma missão ambiciosa e de alto impacto social: quanto mais pessoas realizadas no trabalho, teremos menos pobreza, abandonos de animais, suicídio e violência urbana e doméstica.

Quero curar o sofrimento de milhões de brasileiros que, assim como eu no passado, estão privados de autoconhecimento e vivem um dia após o outro sem nenhuma ambição e planejamento de carreira, acreditando nas barbaridades que lhe dizem: que são “burros”, desajustados, inaptos e inadequados.

Nunca quero tratar meus subordinados da mesma forma que fui nas piores empresas que tive passagem. Ao contrário, quero prover um cuidado acima da média, desenvolvendo-os de forma a trabalharem conforme suas vocações e limitações. Enfim, no que diz respeito a mim, não sou uma “oprimida que sonha ser opressora”, no dizer de Paulo Freire.

Quero que empresas com culturas tóxicas mudem para melhor ou desapareçam do mercado, engolidas por competidores com equipes formadas por pessoas felizes.

Por muito tempo tive vergonha desta história e a escondi. Não via nada especial nela; não é o tipo de história que os “coaches” e palestrantes da vida costumam contar de si mesmos: de alguém “fodão” que faz coisas “fodonas” desde seus primeiros passos nesta terra.

Ao contrário, é uma história de muito sofrimento e dificuldades, cheia de tropeços. E a sociedade do espetáculo pune quem não está sempre sorridente com sua vida perfeita exibida nas vitrines sociais. Mas, sempre que eu contava partes desta história, seja para uma manicure, seja para um cliente, percebia que as pessoas se emocionavam, porque também passaram por dificuldades parecidas, cada um na sua medida. Os “#tbts” são muito eloquentes mas as pessoas sofrem em silêncio! Ao me dar conta que minha trajetória representa a realidade brasileira, perdi a vergonha dela e passei a documentá-la cuidadosamente, até conseguir escrever este post. Sei que há muitas “Luairas” por aí, desencantadas, destruídas e talvez a um passo de fazer alguma besteira.

Talvez esta história seja “publicável” agora porque ela teve um turning point, um ponto de virada razoavelmente “triunfal”. Afinal, se eu contasse uma narrativa de perdas e derrotas do início ao fim, sem a superação e resolução, será que alguém daria a mínima? Ou melhor, será que teria alguma utilidade para alguém, além de deprimir em relação à existência?

Pensando nisso, lembro que a grande maioria dos brasileiros e brasileiras vivenciam histórias de sofrimento sem fim. Assim como eu, entram num fluxo de “porradas” a vida inteira e não conseguem sair disso. Às vezes fico pensando o que terá sido daqueles meninos da fábrica de caixas… Será que alguns ainda estão na mesma situação?

Considero que tive muita sorte em me encontrar profissionalmente. Ainda que com muito sofrimento, pelo menos consegui sair da espiral negativa que a grande maioria não consegue. O fato de ter conseguido isso “aos trancos e barrancos” só me torna mais consciente da fragilidade dos encontros fortuitos que foram necessários para a história se desenrolar desse jeito. Um desvio minúsculo seria suficiente para que tudo fosse diferente e eu não estivesse aqui para contar esta história de superação.

O “acaso” precisou me proteger muito enquanto eu andava distraída!

Espero que tenha ficado claro que não consegui dar essa guinada sozinha, mas, caso não tenha ficado, reforço aqui. Não é mérito só meu. Não consegui isso sozinha. Recebi muita ajuda de amigos, clientes, da minha tia e do Lucas. E por saber que não é possível sair do fundo do poço sozinho(a), quero proporcionar esta transformação para as outras “Luairas” do Brasil.

Não desistam!

faculdade-02
O início de um sonho
Lucas e Luaira
Deu tudo certo!

...

Não quero usar este espaço para fazer pregação religiosa, mas, ao longo de todo esse tempo, nunca deixei de ter fé, mesmo nos piores momentos. Antes de mais nada, devo dizer que respeito todas as vertentes de crença e não-crença. Mas reparem na “curiosa” precisão com que este ponto de Umbanda (a religião que mais me identifico) dedicado a “meu pai” Obaluaê, escrito muito antes de eu nascer, se aplica à minha história:

Obaluaê, quando era menino,
Estava escrito em seu destino, iria acontecer
Com seu corpo coberto de chagas
Sua mãe sempre chorava
Não sabia o que fazer

E num balaio lhe deixou à beira-mar
Pediu a Zambi sempre lhe proteger
Uma oração ela deixou a ele
Não queria ver ele sofrer

Chorava aquele menino
Chorava aquele menino
Iemanjá, ouvindo aquele choro,
À beira-mar ela foi surgindo

Pegou Obaluaê em seus braços
Em alto mar com ela foi morar
Iemanjá tratou as suas chagas
Para o sofrimento dele acabar

E hoje ele é um rei
Cura a peste, a doença e o sofrimento
Atotô! Meu pai, vem me valer
Me banha com a pipoca, olha, venha me benzer

Sua mãe é Nanã Burukê
Iemanjá foi quem lhe criou
Ele é Orixá da cura
Atotô! Obaluaê, meu pai, atotô!

Clique abaixo para ouvir este ponto na linda voz da saudosa Bethania Lemme (Canto de Sereia):